Foro de São Paulo subverteu a liberdade, Parte 1
“Quando a pilhagem se torna um modo de vida para um grupo de homens que vivem juntos em sociedade, eles criam para si mesmos, ao longo do tempo, um sistema legal que a autoriza e um código moral que a glorifica.” — Frédéric Bastiat, Sofismas Econômicos
Quando era jovem eu acreditava que os repórteres eram guardiões de fatos, não curadores de narrativas. hoje, esse ethos foi em grande parte substituído pelo que Alexis de Tocqueville previu como despotismo democrático: um poder brando e onipresente que reduz os cidadãos a rebanhos de animais tímidos e industriosos sob um Estado pastoral.
Essa transformação não foi repentina. Sua arquitetura foi construída gradualmente pelo Foro de São Paulo, lançado em 1990 por Luiz Inácio Lula da Silva e Fidel Castro. Sua estratégia era infiltrar-se lentamente, remodelar mentalidades e erodir a resistência — começando em escolas, púlpitos, redações e, finalmente, tribunais.
Ecoando o alerta de Bastiat, o Fórum substituiu os direitos clássicos à vida, à liberdade e à propriedade por uma ordem moral que justifica a coerção em nome da justiça. Hayek lembrava que a liberdade exige responsabilidade pessoal, enquanto Burke ensinava que a única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada.
Este ensaio traça a ascensão do Foro — das universidades aos tribunais supremos — e pergunta: Como resistimos a uma força que corrói em vez de confrontar?
1) A lente da historização: entre utopias e desilusões
Para compreender o presente, é preciso olhar o passado com honestidade intelectual. O despotismo democrático, na leitura de Tocqueville, não é apenas uma tirania de chicotes, mas uma tirania de persuadir, acomodar e normalizar. Quando o Estado se apresenta como cuidadoso cuidador e “garantidor” de bem-estar, ele pode, sem ruído, transformar liberdades em privilégios institucionais, sob a máscara da responsabilidade coletiva. Bastiat adverte sobre o “direito de pilhar” legalizado pela lei; quando esse direito é justificado pela ética pública, a fronteira entre proteção e coerção se desloca. O desafio, portanto, não é apenas frear abusos de poder explícitos, mas vigiar o que chamamos de justiça que encobre a coerção.
2) O Fórum de São Paulo: entre ação estratégica e leitura controversa
O Fórum de São Paulo é um objeto político complexo e polêmico. Criado como eixo de coordenação entre partidos e movimentos de esquerda na América Latina, ele é visto por seus críticos como uma força capaz de influenciar, por meio de redes e articulações, políticas públicas, debates universitários e agendas legais. Suspeitas de infiltração em setores-chave da sociedade — universidades, meios de comunicação, tribunais — são leituras que coexistem com leituras que enfatizam dinamismo político, pluralismo de ideias e resistência a hegemonias de poder.
É essencial reconhecer que há divergências profundas sobre o alcance, a natureza e os objetivos de tais redes. Em vez de tratar o tema como uma verdade única, este ensaio o aborda como uma hipótese interpretativa que precisa ser examinada com evidência, transparência e debate aberto. O que não está em debate é a lição histórica de que o poder tende a buscar legitimidade sob o manto da “boa governança” e da “justiça social” — uma estratégia que, se não for contada por meio de checagem de fatos, pode tornar-se narrativa hegemônica que justifica restrições de liberdades.
3) Instituições, legitimidade e o equilíbrio entre cooperação e controle
A resistência a qualquer forma de poder que se apresenta como benevolente sem, contudo, se submeter a limites constitucionais, depende de alguns pilares inquestionáveis:
- Estado de direito e independência judiciária: tribunais que julgam com base na lei, não na conveniência político-ideológica, e que possuem guardiãs e guardiões da Constituição.
- Separação de poderes: checks and balances que impedem a captura de decisões públicas por interesses conglomerados ou por linhas partidárias estreitas. A circulação institucional de contrapesos, inclusive através de órgãos de fiscalização, auditorias e ministérios públicos independentes, é crucial para impedir a normalização de coerção sob o rótulo da justiça social.
- Mídia livre, plural e responsável: repórteres que buscam fatos, não narrativas prontas; editorias que reconhecem falhas próprias e mantêm o escrutínio público. A educação midiática ajuda cidadãos a distinguir entre argumentação legítima, propaganda e desinformação.
- Educação cívica e pensamento crítico: ensinar história, filosofia política, ética pública e métodos da ciência cívica para que as pessoas reconheçam quando, sob a retórica da correção moral, o poder se transforma em hábito coercitivo.
- Transparência, participação cívica e responsabilidade pública: orçamentos abertos, consultas públicas, e mecanismos de accountability que tornam políticas públicas auditáveis e sujeitas a correção pela sociedade.
4) Como resistir sem perder a confiança no pluralismo
Resistir a uma “força que corrói em vez de confrontar” não é um chamado à beligerância, nem um apelo a soluções simplistas. É, antes, um convite à prática de uma cidadania que valoriza o contraditório, o escrutínio público e a responsabilidade individual. Algumas diretrizes podem orientar esse esforço:
- Promover e defender instituições fortes, não pessoas fortes: embora lideranças sejam importantes, a saúde de uma democracia depende da solidez das instituições que resistem à captura.
- Fortalecer jornalismo de qualidade: apoiar práticas jornalísticas que preservem a curadoria de fatos, corrigindo erros rapidamente e oferecendo contextos robustos para debates públicos.
- Investir em educação cívica: capacitar cidadãos para pensar criticamente, questionar narrativas e participar de debates fundamentados, sem cair em reducionismos.
- Cuidar da linguagem pública: evitar a polarização militante que transforma o adversário político em inimigo moral. A retórica honesta, que reconhece falhas próprias e aceita a cooperação com quem discorda, é um ativo da democracia.
- Construir redes de cooperação entre setores: sociedade civil, academia, setor privado e imprensa podem colaborar para formular políticas públicas que respeitem direitos fundamentais, sem abrir mão da responsabilidade coletiva.
- Defender limites constitucionais com firmeza serena: a constituição não é terreno neutro, é pacto sobre limites do poder. Qualquer reforma que se pretenda de maior justiça social deve passar pelo escrutínio rigoroso do conjunto de direitos protegidos.
5) Um caminho entre fé e ceticismo
Há uma tensão constitutiva entre esperança na justiça social e ceticismo diante de promessas de melhoria que, sob a capa da bondade, podem justificar restrições de liberdades. A sabedoria de Hayek nos lembra que a liberdade não é licença, mas responsabilidade; a de Burke, que a mudança deve nascer de debate paciente e gradual, não de substituição abrupta de ordens estabelecidas. E Bastiat nos adverte para vigiar a tentação de transformar a lei em um instrumento de pilhagem sob a aparência de justiça.
Este ensaio não pretende oferecer um manual grandioso de combate político, mas um mapa ético para resistir à erosão gradual da liberdade: preservar a dignidade do indivíduo, manter o compromisso com a legalidade e sustentar instituições que possam corrigir erros sem tornar-se cúmplices de um poder discreto, benevolente, porém coercitivo.
A pergunta que este texto coloca é simples, porém profunda: como resistimos a uma força que corrói em vez de confrontar? A resposta exige menos retórica de confronto direto e mais prática de governança aberta, de checagem de poder e de responsabilidade compartilhada. Se a história ensinou algo, é que a liberdade prospera quando cidadãos realizam o delicado equilíbrio entre confiança nas instituições e vigilância ativa sobre o exercício do poder. Ao cultivar instituições independentes, imprensa responsável, educação cívica e participação ética, podemos sustentar uma ordem que não glorifica a coerção sob o manto da justiça, mas protege a vida, a liberdade e a propriedade — os pilares que, para Bastiat, dão medida às sociedades livres.