Foro de São Paulo subverteu a liberdade, Parte 4
Nomeando o Sem Nome
Em Discours de la servitude volontaire, Étienne de La Boétie chamou o que chamamos hoje de “servidão voluntária” de uma sedução silenciosa: o povo não se torna cativo apenas pela força, mas pela atração de hábitos confortáveis, pela rotina que normaliza a submissão e pela retórica que transforma desejos em deveres. Ao longo dos séculos, esse mecanismo de consentimento não se esgota; apenas muda de máscara. No século XXI, o que chamamos aqui de Sem Nome atua de maneira mais pérfida — não com uniforme, mas com cultura, com escola, com tela de cinema e com o timbre reconfortante de uma legitimidade que parece inquestionável. O Foro de São Paulo, entre outros instrumentos, representa para este texto uma forma de sedução da consciência: não uma ditadura explícita, mas uma reorganização da ordem cultural que redefine liberdade como conformidade e justiça como redistribuição, recodificando a bússola moral de gerações por meio de livros escolares, liturgias e programas de televisão no horário nobre.
Resistir a essa força exige mais do que eleições ou denúncias pontuais. Exige, antes de tudo, um retorno a princípios que perpassam as tradições clássica e austríaca: a soberania do indivíduo, a santidade da propriedade e a natureza vinculativa da verdade. Como lembrou Ludwig von Mises, “só as ideias podem superar as ideias”. Se as ideias não serão apenas mais um item na agenda, é preciso que elas sejam fortalecidas, articuladas e apresentadas como uma alternativa concreta à lógica da servidão voluntária que se disfarça de consenso.
Expor o Fórum, neste sentido, não é inventar um vilão, mas resgatar um vocabulário. E esse vocabulário, simples e potente, devolve à discussão o seu sentido fundamental: liberdade significa responsabilidade; solidariedade não é carência de liberdade, mas expressão voluntária de uma convivência que respeita limites; justiça não é o resultado da organização mais poderosa, mas o alcance do que é justo perante a lei natural e a lei positiva, levando em conta o direito de cada indivíduo à vida, à propriedade e à busca da verdade.
Ao nomear o Sem Nome — essa força difusa que transforma divergência em doutrina, que substitui o debate aberto por aclamações institucionais e que, sob o pretexto de igualdade, tende a homogeneizar ou estatizar a liberdade — reconhecemos a gravidade de uma pretensão: a de que o consenso, quando imposto, é uma forma de ordem natural. A resposta não é excluir, mas abrir espaço para uma competição de ideias mais plural, onde cada indivíduo é reconhecido não apenas como sujeito de consumo, mas como portador de direitos inalienáveis.
Para além de uma crítica, a proposta é construtiva: reconstruir um vocabulário que alimente a autonomia sem abandonar a responsabilidade. Liberdade não é apenas a ausência de coerção, é a capacidade de agir com conhecimento, com cuidado e com sementes de inovação na sociedade. Solidariedade não é caridade imposta pela necessidade de quem pode mandar, é cooperação voluntária que nasce do reconhecimento de que vidas entrelaçadas certos valores comuns não se reduzem a programas, mas vivem pela qualidade dos compromissos que escolhemos manter. Justiça, por seu turno, é a limitação do poder — o que impede que a vontade de uns se imponha como a vontadem dos muitos.
Essa é a essência de nomear o Sem Nome: não construir um inimigo abstrato, mas redefinir termos que foram deturpados pela propaganda, pela burocracia e pela acomodação intelectual. Liberdade, responsabilidade; solidariedade, voluntariedade; justiça, limites do poder. São categorias que se fortalecem quando voltam a exigir prova prática: escolha, voto, educação, participação cônscia na vida pública.
Ao propor uma reconstituição dessas palavras, o artigo não pretende fechar caminhos, mas abri-los. Propõe reavivar a tradição que vê a verdade como bússola inescapável, não como opinião sujeita a aplausos de ocasião. Propõe reviver o compromisso com uma sociedade em que as ideias, mais do que vencer pela força, triunfam pela clareza, pela coerência e pela coragem de sustentar caminhos que respeitam a dignidade do indivíduo e o valor da propriedade como fundamento de uma ordem estável e criativa.
Em última análise, nomear o Sem Nome é exigir que as palavras voltem a servir ao pensamento livre e à ação responsável. É reconhecer que a verdadeira resistência não é apenas resistir a um projeto político específico, mas manter vivo o espaço da discussão livre, onde a verdade pode ser desentranhada da retórica, onde a justiça pode ser discutida sem a gratuidade da poder embutido e onde a liberdade, para ser plena, exige uma ética de convivência que respeita a outra face da moeda: a sua responsabilidade.