Governo já pagou R$8,1 bi em emendas
Governo já pagou R$8,1 bi em emendas

 Governo já pagou R$8,1 bi em emendas

Este artigo parte de dados oficiais para fazer uma leitura crítica sobre a forma pela qual o governo Lula tem operado com as emendas parlamentares ao longo de 2025. Segundo o Tesouro Nacional, já foram pagas 8,1 bilhões de reais em emendas, número que aponta para uma virada prática de gestão do orçamento. Do total, 6,9 bilhões referem-se a emendas individuais e 1,2 bilhão a emendas de bancadas. A maior emenda individual até agora é de 34,3 milhões, destinada à senadora Augusta Brito (CE), que assume a liderança interina do PT no Senado e é suplente do ministro Camilo Santana (Educação). Além disso, havia a expectativa de distribuição acelerada de recursos em meio a sinais de escassez de apoio político, com a narrativa de que a máquina de orçamento está a serviço de uma base parlamentar estável para o governo.

O quadro apresentado revela, em primeira leitura, uma lógica de governança que privilegia o manejo rápido de recursos com base em acordos políticos, em vez de um planejamento técnico que priorize políticas públicas com impacto nacional. Em emendas, o que costuma se discutir é justamente o equilíbrio entre atender demandas locais — que de fato, em muitos casos, são respostas legítimas a necessidades urgentes de saúde, educação, infraestrutura e segurança — e manter um discurso de gestão macro com metas coesas para o país. O que se observa, no entanto, é um ritmo de pagamentos que se assemelha a uma operação de manutenção de base aliada, mais do que a uma execução planejada de políticas públicas de longo prazo.

O fato de que o maior valor individual pagado em 2025 esteja associado a uma senadora que ocupa liderança estratégica no Senado, e que, no mesmo período, houve rápida tramitação de uma emenda para o Fundo de Saúde do Ceará, alimenta a percepção de que há uma dimensão política no uso dessas verbas. Em 26 de junho a emenda foi empenhada, liquidada em 4 de agosto e paga em 5 de agosto — um fluxo que, para além de mecanismos contábeis, parece calibrado para gerar efeitos políticos concretos: apoiar aliados, reforçar posições locais e, ao mesmo tempo, manter a narrativa de responsabilidade com a população.

A expressão “véspera de CPI” não é apenas uma imagem retórica; ela aponta para a tensão institucional existente entre o desejo de manter apoio no Congresso e a necessidade de cumprir regras e controles. Quando o Tesouro registra que os valores pagos quase triplicaram entre junho e agosto, aumenta a tentação de perguntar onde ficam, nessa conta, a qualidade dos projetos apoiados, a transparência da remuneração de favores e a responsabilidade fiscal diante de um cenário de custos elevados. Em tempos de inflação, juros altos e pressão por disciplina orçamentária, a página da emenda parlamentar pode parecer um atalho conveniente para se obter agilidade, mas também carrega riscos de distorção de prioridades e de kas de controle público.

É legítimo reconhecer o papel das emendas como instrumento de democratização do orçamento, permitindo que municípios e estados tenham voz em investimentos locais. No entanto, a criticidade nasce quando esse mecanismo passa a estruturar-se como principal vetor de alocação de recursos, com pagamentos rápidos, liderança de base e correspondência entre as escolhas políticas e os montantes liberados. A partir daí, a linha que separa a política de cooperação institucional da política de compra de apoio político fica tênue.

O que se pode exigir, como condição para evitar a degradação da confiança pública, é maior transparência, padronização de procedimentos e pesos de fiscalização. Emendas não devem apenas aparecer com números, datas de empenho, liquidação e pagamento; precisam ser acompanhadas de relatórios de impacto, critérios de elegibilidade, metas mensuráveis e auditorias independentes com publicidade ampla. A sociedade precisa acompanhar não apenas quanto foi pago, mas o que foi entregue: quais serviços, quais obras, quais resultados concretos para a população.

Além disso, cabe perguntar se esse volume de emendas e o seu ritmo de liberação condizem com uma estratégia de governo que busca eficiência, eficiência distributiva e qualidade de gasto. Em um patamar mínimo de responsabilidade fiscal, é essencial que haja uma discussão pública sobre prioridades nacionais e regionais, para evitar que o orçamento seja reduzido a uma cartela de favores locais, mesmo que essas ações tenham justificativas legítimas em cada caso. A governança responsável exige previsibilidade, regras claras e um equilíbrio entre autonomia parlamentar e responsabilização administrativa.

Concluo que os números apresentados pelo Tesouro Nacional não são apenas estatísticas frias; eles expõem uma dinâmica de poder que, quando mal gestionada, fragiliza a confiança na capacidade do governo de planejar e cumprir metas sem depender de artimanhas políticas para manter a base de apoio. Em vez de depender de um “balcão” de emendas para segurar alianças, o governo deveria pautar uma agenda de políticas públicas sólida, com cronogramas, metas, austeridade responsável e, acima de tudo, transparência. A população tem direito de exigir não apenas promessas, mas resultados verificáveis — e os mecanismos de emenda devem estar sujeitos aos mesmos padrões de prestação de contas que se espera de qualquer programa público.

Este é um momento para a reflexão: as emendas são necessárias, mas devem servir ao interesse público e não a estratégias de sobrevivência política de curto prazo. Sem clareza, sem transparência e sem responsabilização, o uso de emendas para manter base no Congresso pode corroer, com o tempo, a legitimidade do governo junto aos cidadãos. O desafio é claro: transformar recursos em resultados, com governança que combine legitimidade democrática, eficiência técnica e responsabilidade fiscal.

 

   

 

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