Israel e o Ocidente preparam o cenário para uma próxima rodada de guerra contra o Irã
Nos últimos meses, o mundo respirou aliviado após o breve conflito israelense-americano contra o Irã, encerrado em junho após 12 dias de intensos bombardeios. O então presidente Donald Trump declarou com otimismo que os ataques haviam "obliterado" o programa nuclear iraniano, uma afirmação que, para muitos, parecia marcar o fim de uma ameaça iminente. Contudo, por trás das aparências de vitória, as forças de Israel e seus aliados ocidentais já estão colocando em movimento os mecanismos para uma nova rodada de agressão contra o Irã.
Recentemente, França, Alemanha e Reino Unido notificaram o Conselho de Segurança da ONU sobre a intenção de reimpor sanções ao Irã por meio das disposições de "snapback" do acordo nuclear de 2015 (JCPOA). Apesar do Irã ter cumprido suas obrigações sob o pacto — incluindo a redução de seu estoque de urânio enriquecido a níveis considerados seguros — os Estados Unidos, sob o comando de Trump, se retiraram unilateralmente do acordo em 2018, reimpondo sanções severas que estimularam Teerã a reativar seu programa de enriquecimento além dos limites estabelecidos.
O retorno às sanções mais duras e a crescente deterioração das negociações têm levado o Irã a questionar sua participação no JCPOA, ameaçando até mesmo abandonar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Essa possibilidade geraria uma crise de supervisão internacional, uma vez que o Irã já desconfiou da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), expulsando inspetores após o ataque israelense a instalações nucleares em junho.
O programa nuclear iraniano permanece no centro das atenções. Questões como o destino do urânio enriquecido a 60% — armazenado na instalação subterrânea de Fordow — permanecem sem resposta, alimentando a desconfiança entre Teerã, Tel Aviv e Washington. Os iranianos, por sua vez, veem essas exigências como uma provocação, justificando sua resistência em permitir inspeções completas e acesso irrestrito às suas instalações nucleares.
Com as sanções sendo restabelecidas, o Irã enfrenta uma escolha difícil: aceitar limitações que considera injustas ou avançar em seu programa nuclear, ignorando o controle internacional. Essa dinâmica cria uma situação de impasse, na qual qualquer recusa por parte do Irã pode ser usada por Israel e seus aliados ocidentais como justificativa para uma intervenção militar. A narrativa de que o Irã busca armas nucleares, alimentada por décadas de alarmismos, permanece como um elemento central na construção do pretexto para uma futura guerra.
Israel, tradicionalmente interessado na destruição do programa nuclear iraniano, busca consolidar sua segurança por meio da hegemonia militar na região. Segundo analistas como Trita Parsi, o objetivo de Israel é transformar o Irã em um Estado semelhante ao Líbano ou à Síria — alvo fácil de ataques contínuos sem a necessidade de envolvimento direto dos Estados Unidos. Para isso, Israel aposta na manutenção de uma situação de tensão constante, alimentando uma corrida armamentista que, além de desgastar o Irã, também prejudica a própria estabilidade regional e os interesses americanos na área.
Na guerra de junho, Israel conseguiu neutralizar parcialmente as defesas aéreas iranianas, mas o Irã respondeu com uma crescente capacidade de ataque, inclusive com mísseis balísticos hipersônicos que atingiram alvos israelenses. Contudo, as perdas de arsenais e infraestrutura pesaram sobre as forças do Irã, que também enfrentaram o esgotamento de suas defesas antimísseis e de suas reservas de mísseis ofensivos.
A posição dos Estados Unidos sobre uma intervenção no Irã está cada vez mais complexa. Apesar do apoio tradicional a Israel, o sentimento público e político nos EUA começa a se desgastar diante da imagem de uma guerra interminável, especialmente após as atrocidades recentes em Gaza e o aumento do sentimento anti-Israel no país. Pesquisa do Pew mostra que metade dos jovens republicanos têm uma visão desfavorável de Israel, e figuras como Steve Bannon tentam aproveitar esse clima para questionar o apoio contínuo aos interesses de Tel Aviv.
Ao mesmo tempo, políticos em ambos os lados do espectro enfrentam pressões de suas bases eleitorais por uma postura mais dura, mas também enfrentam resistência ao envolvimento direto em mais uma guerra no Oriente Médio. Netanyahu e seus aliados, por sua vez, parecem ansiosos para agir antes que o apoio de Washington diminua ainda mais e antes que as eleições de meio de mandato de 2025 mudem o cenário político.
Como parte da preparação para uma eventual nova guerra, as campanhas de propaganda aumentam, alimentando o medo e o ódio contra o Irã. Alegações de que o Irã está a "meses" de desenvolver armas nucleares continuam sendo repetidas por décadas, apesar de análises de inteligência que indicam o contrário. Netanyahu, após a última guerra, tentou reforçar uma narrativa alarmista, alegando que o Irã entregaria armas nucleares a terroristas, uma afirmação que logo foi retratada como exagerada.
Recentemente, o primeiro-ministro australiano Anthony Albanese elevou ainda mais a tensão ao afirmar que o Irã estaria por trás de ataques incendiários na Austrália — uma acusação sem provas concretas, que levou à expulsão do embaixador iraniano e à classificação da Guarda Revolucionária como grupo terrorista. Essas ações fazem parte de uma estratégia de escalar o conflito, criando justificativas para ações que possam envolver outros países ocidentais.
Diante desse cenário, é provável que novas acusações e tentativas de justificação para uma intervenção militar se intensifiquem. Ainda que muitas dessas alegações possam ser infundadas ou exageradas, elas servem para criar um clima de legitimação para ações militares. Como lembra Caitlin Johnstone, a Navalha de Hitchens ensina que "o que pode ser afirmado sem provas também pode ser rejeitado sem provas", um alerta importante para o momento em que a desinformação domina o discurso oficial.
Seja qual for o caminho escolhido, a possibilidade de uma guerra maior entre Israel, os Estados Unidos e o Irã permanece latente. A estratégia de Israel de manter a região em constante conflito, aliada às ambições políticas internas e às pressões internacionais, indica que estamos diante de um ciclo que pode se repetir a qualquer momento — uma nova rodada de destruição e instabilidade que, se não controlada, pode evoluir para um conflito de proporções globais.