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Foro de São Paulo subverteu a liberdade, Parte 3
Foro de São Paulo subverteu a liberdade, Parte 3

Foro de São Paulo subverteu a liberdade, Parte 3

Dos Andes aos Pampas: Uma Teia Continental

O Foro de São Paulo não nasceu como uma invenção estritamente brasileira. Em pouco tempo, tornou-se um mecanismo continental de alinhamento ideológico, conectando partidos, sindicatos e movimentos que partilhavam uma visão estratégica sobre o curso da política latino-americana. Da ascensão de Hugo Chávez na Venezuela à liderança de Evo Morales na Bolívia, dos governos Kirchner na Argentina à esquerda chilena de Michelle Bachelet, o Foro funcionou como uma rede de coordenação que, mais do que um conjunto de decisões unilaterais, estruturou um campo de referência comum: uma leitura da democracia liberal que podia ser reformulada ao longo do tempo para favorecer uma ordem social centralizada.

Leiam a Parte 1 e a Parte 2

Não se tratava, portanto, de uma conspiração no sentido cinematográfico. Trata-se, antes, de uma federação paciente de elites que entenderam o que Antonio Gramsci chamava de hegemonia: o manejo das instituições culturais como pré-requisito para a transformação política. Nesse prisma, as eleições aparecem como instrumentos úteis, mas não essenciais. O que importava era moldar a direção da sociedade a longo prazo — valendo-se de constituições, cortes supremos, tribunais de justiça e narrativas que atravessam fronteiras.

Essa lógica de atuação explica, em parte, a transição de muitos governos que, embora emergidos de alianças populares, encontraram-se ao longo do tempo em um mesmo eixo de políticas públicas. Em países como Paraguai, Uruguai e Equador, líderes simpatizantes dessas leituras passaram a defender políticas cada vez mais interventoras do Estado. A ideia era ampliar o papel estatal na educação, na imprensa e nas associações civis, criando condições para um ambiente institucional menos sujeito a freios e contrapesos tradicionais. Os críticos passaram a ser enquadrados como reacionários ou, pior ainda, agentes do imperialismo. O debate público aproximou-se de um monólogo, no qual a pluralidade de vozes parecia ser trocada por uma narrativa hegemônica de progresso e inclusão.

A durabilidade da rede deve-se, em grande medida, à sua notável adaptabilidade. Ao contrário das revoluções abruptas de outras épocas, a influência do Foro opera, principalmente, por meios legais, pela construção de prestígio cultural e por apelos emocionais que falam à sensibilidade da audiência. Ele adota a linguagem da inclusão, do compromisso com direitos humanos e do anseio por progresso — ao mesmo tempo em que, de forma gradual, realiza uma erosão estruturada dos fundamentos institucionais que protegem esses mesmos ideais. Não é raro ouvir que o discurso é centrado na melhoria de vida, na cidadania plena, na participação social; o efeito colateral, porém, pode ser um rebaixamento do papel da mídia independente, da imprensa crítica e das instituições de controle que sustentam a democracia liberal.

Essa leitura, claro, não está isenta de críticas ou de debates acadêmicos. Um ponto recorrente de discórdia é a natureza da “instituição Foro”: seria isso uma estrutura formal, com regras e objetivos explícitos, ou uma rede difusa de alianças que compartilham um conjunto de estratégias? Diversos analistas ressaltam que, embora haja cooperação entre governos, partidos e movimentos, o Foro não funciona como uma central única de comando. Em vez disso, ele opera como um ecossistema: ideias circulam, experiências políticas são compartilhadas, e lições são retiradas de vitórias e fracassos alheios. O resultado é uma capacidade de reprodução de narrativas e políticas que, por longos períodos, moldam o clima político de vários países.

A crítica mais contundente, porém, é a de que esse modo de atuação tende a desincentivar a contestação pública e a transformar o espaço político em um território de consenso gerado por elites. Quando a retórica de inclusão e de direitos humanos é acompanhada pela centralização de determinadas áreas estratégicas — educação, mídia, organizações civis —, o espaço para o dissenso pode parecer reduzido. Assim, o debate público pode tender a um monólogo em que a diversidade de perspectivas é substituída por uma linha dominante de pensamento. Em tal cenário, a democracia liberal corre o risco de ser apresentada como insuficiente para responder aos anseios coletivos, levando a uma legitimação de mudanças por meio de instrumentos institucionais já presentes, e não por meio de um grande alargamento do campo democrático.

Ainda assim, é importante reconhecer a complexidade do fenômeno. A crítica enraizada na ideia de uma conspiração deliberada pode subestimar a dinâmica social de transformações que, em muitos casos, foram catalisadas por fatores econômicos, sociais e regionais, bem como por mudanças na percepção de justiça social e de cidadania. O Foro de São Paulo, em sua leitura mais cautelosa, representa, antes de tudo, uma tentativa de posicionar o eixo político de uma região que historicamente conviveu com instabilidades institucionais, desigualdades profundas e margens de manobra econômica estreitas. Nesse quadro, a atração por narrativas de progresso, inclusão e soberania regional aparece como resposta a necessidades reais, ainda que, ao ser implementada, possa contaminar, com o tempo, o equilíbrio entre liberdade individual, pluralismo de ideias e autonomia das instituições.

Como entender, então, a paisagem que vai dos Andes aos Pampas? Ele não é apenas um mapa de partidos e lideranças, mas uma teia que articula identidades políticas, culturais e institucionais. A força dessa teia reside na capacidade.

 

   

 

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